domingo, 23 de abril de 2017


O DIABO QUE TE CARREGUE

Capítulo 9
A Invenção da Personificação do MAL

Há um fato curioso: os cristãos e todas as pessoas que não lêem a Bíblia (quando muito, Salmos) gostam de atribuir as desgraças ao Diabo. Mas, onde é que o Diabo causa alguma desgraça ou morte na Bíblia? Javé mata bebês (criança de peito), o Diabo não; Javé mata e manda matar milhares de pessoas (com requinte de crueldade, tudo o que respire, sem piedade), o Diabo não; Javé mata bichos e pede que se sacrifique bichos em seu nome, o Diabo não; Javé mata plantas, o Diabo não; Javé se irritava por qualquer coisa, a ponto de matar seu próprio povo: setenta mil, só porque Davi os contou, o Diabo não; Javé manda pragas, o Diabo não; Javé se vinga, o Diabo não; Javé ameaça, o Diabo não; Javé se arrepende e mata a humanidade inteira. E o Diabo? Onde é que está escrito na Bíblia que ele matou uma pessoa sequer? Uma formiga sequer? Uma planta sequer? Onde? Estão na própria Bíblia as evidências de que a maldade, quando não vinha das pessoas, nunca vinha de outra divindade que não fosse apenas uma: Javé, o Deus dos hebreus. Aliás, Javé revindica para si ser o único deus causador das atrocidades na Bíblia, se gabando o tempo todo, tal qual um líder terrorista, que revindica para si o que lhe é de direito, com orgulho intimidador. O Diabo nem mesmo mentiu à Eva. Sendo o Diabo ou não, a serpente só disse a verdade.

Pode-se argumentar sobre o livro de Jó, onde Satanás (Satã) é citado. Em primeiro lugar nem a palavra Satanás e nem a palavra Diabo são citadas em lugar algum no Antigo Testamento da mais confiável​ tradução Bíblica, a de Jerusalém, repito. Mas como no livro de Jó é a única vez em que Satã aparece pessoalmente​ (justamente para Deus), então vamos deixar de ser "crí-crí" por um momento e considerar que Satã seja mesmo aquele Satanás que, de fato, só vai aparecer como "diabo" (assim mesmo, com "d" minúsculo), quando Jesus o chama pelo nome de "Satanás" no deserto; é confuso mesmo. Então, o mais justo seria ler e investigar o que está escrito no "livro preto". Fazendo isso de cabeça aberta, livre paixões, descobrimos que é no mínimo muito estranho o quê afinal o autor do livro de Jó quer dizer. Logo no início deste livro, a bem da verdade, não deveria estar o título do prólogo "Satã põe Jó à prova". Vejamos: quem está alegando algo, Satã ou Deus? Resposta: é Deus quem alega, quem afirma tal coisa, no caso, que seu mais íntegro servo é incomparável. Satã não alega nada sobre Jó, apenas duvida do inabalável "temor" (não amor) que Jó tem de Deus. Vamos "começar do começo": Satã se envolve no meio de anjos puros (filhos de Deus!) que vieram apresentar-se perante o Pai, e veio também Satã entre eles (!?). Deus Pai -- como se não fosse onisciente -- faz aquela pergunta desnecessária a Satã: "De onde vens?". Mas a pergunta que não quer calar é: por que Deus não falou a Satã "Jó é fiel e desvia-te DE TI, Satã", ao invés de dizer "Jó é fiel e desvia-te DO MAL" ? Por que Deus não falou de outra forma a Satã se, afinal de contas o mal sempre veio de Satã? Deus deveria dizer "Meu servo Jó é homem reto, temente à Deus e desvia-se DE TI, Satã", o leitor concorda? Mas está escrito "[...] Jó é homem reto e desvia-se DO MAL". Deus diz isso ao próprio Satã. Não seria estranho se Deus estivesse falando com outra "pessoa", mas se Satã é a essência do mal, se o mal é personificado em Satã, então Deus deveria tratá-lo como tal, como uma personificação, não parece óbvio?
Enfim, não foi Satã quem provou a Jó, como está intitulado no início do seu referido livro, e sim o próprio Javé.

Como em quase todas as histórias medonhas ​que formam a maior parte da Bíblia, essa é só mais uma.

Após a desgraça, o autor do livro não esqueceu de salvar a pele de Deus e "compensa" Jó com outros dez filhos, como se os que morreram não significassem absolutamente nada. Como se seus servos (que deveriam ser várias dezenas, a julgar pela quantidade de animais que Jó tinha), também não significassem nada. Os pobres coitados, que morreram assassinados, estavam no pacote de maldades da tramóia arquitetada por Deus, afim de provar à um anjo caído o quão seu mais fiel exemplar o temia. Isso é que é humilhação, não acha? Talvez Deus tivesse esquecido que ele era onisciente. Aliás, não é a primeira vez em que Deus se esquece da sua onisciência, afinal ele se arrependeu. Deus, se fosse onisciente, não precisaria provar a fé de Jó, nem de Abraão, e nem de ninguém. Como pode alguém dizer que esse Deus é Pai amoroso, protetor e zeloso se tal Deus promove a matança de inocentes devotos à ele, só por capricho? Deus não mede as consequências para provar a Satã o quão seus servos o temem pois não pode provar o quanto é amado, porque nunca é e nunca foi amado.

Não fica claro que foi Satã quem matou os dez filhos de Jó e seus escravos, mas fica claro quem foi. Como assim?! Muito simples de desvendar esse mistério: em primeiro lugar, leia qual foi a atitude de Satã ao ouvir a proposta infame de Deus para sacanear o coitado do Jó a fim de prová-,lo: Satã não diz nada e, talvez envergonhado, apenas vira as costas e se retira. Satã não é sequer citado enquanto Jó sofre desgraças imensuráveis, sob total indiferença de Deus. Em segundo lugar, pergunte a um cristão se existe alguma divindade, que não Deus, com poder de interferir na natureza, se existe alguma divindade que pode fazer surgir um furacão. Que tal deixar-mos o próprio Jó responder? Veja o que Jó, depois de toda desgraça sofrida, disse a sua esposa: "Não recebemos o bem, e não recebemos o MAL de Deus?" Ficou claro, leitor. Nem mesmo Jó cita qualquer outra divindade da maldade. Mas ele sabe que seu Deus é único, do bem e do MAL.

O mal, na linguagem do Antigo Testamento, não​ provinha somente das próprias pessoas. Muitas vezes as pessoas cometiam maldades a mando de Javé, como também Javé diretamente às cometia. Porém, houve um pequeno lapso de lucidez na cabeça dos autores da Bíblia, repare: em Gênesis Deus disse a Caim "O pecado jás à sua porta, mas a ti, Caim, compete dominá-lo". Não deveríamos ficar surpresos com essas belas palavras, não é? Tratando-se de Deus... sim, deveríamos; a julgar pelo que sabemos desse Deus bíblico, sim, é surpreendente encontrar duas raras linhas em que Deus pensa de forma racional. Isso simplesmente não se repetirá em toda Bíblia.

Então nós temos o poder de dominar o mal que queremos praticar contra o nosso próximo? Oras, então o mal não provém do Diabo. Nem Deus e nem ninguém jamais​ diz, em todo o Antigo Testamento, absolutamente nada sobre o Diabo ser uma entidade do mal, ou que outra entidade produz maldade. Ao menos temos aqui uma coerência na Bíblia. Então​ é coerente afirmar que o mal não é influência de Diabo algum, pois compete ao próprio homem dominar a maldades que existe dentro dele. Neste (e apenas neste) ponto, estou de comum acordo com Deus. Pena que Deus (evidentemente me refiro aos seus criadores) consegue estragar tudo logo em seguida; "Ele" é ótimo no que faz. Palmas para "Eles"!

Texto de Richard Hoffman

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