sábado, 15 de abril de 2017


O DIABO QUE TE CARREGUE
Capítulo 7

A Invenção da Personificação do MAL

No Novo Testamento predomina a visão dualista, que vem da influência grega de Platão (428-348 A.E.C.), que por sua vez bebeu na fonte do dualismo persa de Zoroastro (630 A.EC.). Existe ainda uma vasta literatura sobre os "anjos caídos", muito explorado nos chamados livros apócrifos de Henoc, mas prefiro não me aprofundar nisso com esse texto aqui.

O dualismo entre o bem e o mal só ficou bem definido no cristianismo. Agora o Deus de Jesus é o Deus do amor, da misericórdia e do perdão. Mas esse conceito não se coaduna com o conceito dos antigos hebreus. Por outro lado, o Deus de Jesus não pode ser o Deus dos exércitos, da guerra, o Deus das chacinas, o Deus borrifado de sangue, dos sacrifícios, que faz pacto de pele de pênis, que pede sacrifício do filho dos outros, o Deus dos mandamentos impossíveis etc.. E o principal: Deus, agora, não podia ser o responsável pelo mal. Aqui a figura do mal é essencial para a construção teológica definir a imagem do Diabo, que viria a personificar única e exclusivamente o mal. Como fizeram isso? Talvez a resposta mais evidente é observarmos como se construiu a imagem do seu antagonista: Jesus, o Cristo. Ambas as fórmulas empregadas foram muito parecidas, no mesmo momento, evoluindo paralelamente, de concepções inversas, obviamente.

E agora vamos entrar na parte mais difícil de todo esse trabalho. Por quê? Porque vamos fazer a única coisa que podemos fazer quando tentamos desvendar, de forma séria, uma história (a maior de toda humanidade) da qual temos parcas evidências, pouco material arqueológico e, nada, absolutamente nada de provas; professar o passado. De quebra, temos contra os cientistas e arqueólogos (até teólogos sérios), um forte desinteresse em expor a verdade por quem mais deveria querer saber: os fiéis. Para eles quase tudo se resume em acreditar. O trauma cerebral é muito forte. O choque de realidade seria insupotrável.

Não dá para fazer nem mesmo um resumo sério sobre Jesus e o cristianismo. Pois teríamos de abarcar questões que, por si só, dariam (e deram) volumes de livros, como Ressurreição, por exemplo. Então, vou me ater apenas na questão da construção da imagem do Demo; do Diabo. Vamo que vamo.

Novamente, se formos pesquisar usando a Bíblia como fonte, a pergunta é: como será possível descrever toda a atuação do Diabo no Antigo Testamento? Com base em quê? Supondo que não existisse o Novo Testamento, a questão é a seguinte: como, por exemplo, Moisés, Abraão, Noé e outras passagens bíblicas que "viveram" aquele período tiraram algum conceito sobre Satanás ou Diabo se não há nada registrado sobre a figura do mal? Resposta: NÃO TIRARAM. Nós não vemos ninguém, nem mesmo o faraó, atribuindo as dez desgraças no Egito a Satanás. Mas está escrito o nome do responsável, certo? O próprio Javé! Ou não?

Outro exemplo: quando é que Isaías, Jeremias, Ezequiel e outros profetas atribuem todas as desgraças que aconteceram às doze tribos de Israel à Satanás? Resposta: NÃO ATRIBUÍAM! Ninguém atribuía o mal a alguém em quem eles não conheciam e confiavam. Os hebreus daquela época não tinham o conceito de uma figura causador do mal que não fosse o próprio deus deles, o Deus de Israel; Javé, o "Deus dos Exércitos".

"E o dualismo se fez verdade e habitou entre nós!" (?).

Mas o Deus dos cristãos continua sendo o criador do Universo, aí incluindo tudo o que existe, e nesse tudo também o MAL. Como resolver esse impasse? Simples: aqui o "Livre Árbitro" se fez verdade e habitou entre nós, pronto! Sem a teoria do Livre Árbitro o atual edifício teológico não se sustenta. Escolha; Deus ou Diabo? O bem ou o mal? A tese do "Livre Árbitro" não está escrito em lugar algum na Bíblia. E nem poderia estar, de acordo com o que se exige lá, na base de ameaças e chantagens emocionais. E o quê afinal está escrito? Oras, esqueça o que está escrito!

E quem estaria interessado nisso? Oras, quem estaria preocupado com esse turbilhão de misticismos que impregnava toda aquela região dominada pelos romanos: os próprios romanos! Afinal, vários candidatos a messias apocalípticos eram cruscificados todos os dias, mesmo algumas décadas antes do próprio Jesus aparecer por aquelas bandas. E até mesmo religiões aparecem e desaparecem com o sabor do vento. Sempre foi assim. Isso foi se arrastando, até que chegamos no século IV. E então, no início deste século, houve no mínimo três acontecimentos cruciais que viriam transformar culturalmente a história do mundo: a ascensão de Constantino como imperador único de Roma; sua conversão ao cristianismo e o Concílio de Nicéia, no ano 325. Neste Concílio foi decidido, não só sobre a divindade de Jesus como o Cristo/Messias, como foi também, a partir dali, sendo construída a forma, imagem, e a personificação do mal.

Paulo, uma personagem supostamente real, teve sua imagem reforçada e legitimada como apóstolo (já que Paulo não conheceu Jesus) no Concílio Niceno também. Paulo (muitos estudiosos entendem 'romanos'), esta figura "misteriosa", é quem vai transformar o cristianismo mais "palatável" ao gosto dos inimigos judeus cristãos, aos romanos, e ao gosto do mundo ocidental. Cristianismo este que não perderá de vista a evolução de outra personagem de suma importância para o cristianismo: o Diabo.

Portanto, a figura do mal, o Diabo, só vai tomar forma, de "fato", no Novo Testamento, na pessoa de Jesus.

RICHARD HOFFMAN

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